terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Contrario Senso - José Carlos Navarro


Nesta nossa passagem  neste planeta
Não somos os senhores da verdade, muito menos os arautos da mentira
Somos apenas por nossa alma, por nossa Centelha Divina,
Pequeninos ainda, mas, sempre, deuses em processamento
Façamos jus então, a esta intensa e sagrada missão

Contrario senso ao que disse o poeta, se te faltar engenho e arte
E ao buscares um caminho para que teu dia  melhor te pareça
Venha a mim, sem receios, e para que o maior bem te aconteça
Cedo-te sem sentimento de perda, do meu sonho a melhor parte

Contrario senso ao que disse o poeta, se a beleza não for fundamental
E se ansiares por todos os amigos para que tua tristeza seja minorada
Venha a mim, sem demora, que de forma mais desinteressada
Faço-te sem receios ou ressalvas, da minha crença, herdeiro universal

Se a caminhada te trouxer desalento, passo a ti todas as minhas ofertas
Se chorares a perda que te pareça irreparável, meu ombro te cedo
E se não bastar tudo o que eu tiver e precisares mais, mais te ofereço
Se sentires as madrugadas frias, são tuas de pronto, todas as minhas cobertas

Faço-te caminhar ao meu lado e ao teu lado ouço calado o que te der vontade
Estendo minha mão, apago teus medos, desapareço com teus desencantos
Compartilho contigo meu Deus, minhas rezas, empresto-te todos os meus santos
Apenas em razão deste meu sentimento maior que eu chamo amizade

Não somos os senhores da verdade, muito menos os arautos da mentira
Somos deuses, pequeninos ainda, em formação.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Liberdade de Pensamento - Paulo Eduardo

14 de Julho – Dia da Liberdade de Pensamento 

Liberdade de pensamento é o livre-arbítrio que as pessoas têm para sustentar e defender seu pensamento argumentativo sobre uma ocorrência, um ponto de vista ou uma ideia autônoma dos pensamentos dos outros. 

Um dia para celebrar o direito da ação organizada e muitas vezes involuntária do pensamento. O pensar livre, diz ser o conceito maternal das democracias. 

Em 1789 na França foi aprovado por uma Assembleia Constituinte a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fato arrolado com a Revolução Francesa, tendo um dos eventos de referência a Queda da Bastilha em 14 de Julho daquele mesmo ano. Acredita-se que o tal evento pode ser relacionado ao pensamento livre. Aquela Declaração seria o fundamento para tantas outras sendo que até hoje são balizas de muitas Nações. Em Dezembro de 1948 a ainda “criança” Organização das Nações Unidas” promulgava com base na Declaração francesa de 1789 a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Um dos artigos que expõe o pensamento pelo próprio pensamento está no Artigo 19 da então neo declaração: 

“Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. 

O pensamento é, de fato, uma ponderação de valor, é uma cogitação interna do então pensador. 

Quando isso é externado, o pensamento passa a ser sua opinião, sua ideia, seu argumento, pois deixa de ser somente SEU pensamento para ser, digamos, público. Eis aqui o cuidado e a diferença entre pensar e falar. O “eu” e o “vocês”. 

Sendo assim, o pensamento e também os sonhos – o pensar involuntário – são as maiores riquezas do Homem, pois é algo muito íntimo e profundo para ser REMOVIDO e ERRADICADO, alterado talvez, mas não tirado.

Contudo, porém, entretanto, mas... O pensar mesmo que íntimo pode ser perigoso quando é externado. Ele subtrai ou soma; afasta ou agrega; gera Paz ou conflitos... Promove a Vida ou mata.

Mesmo sendo uma garantia em um Estado Democrático, o pensamento sem o conhecer a semântica e a contextualização de e da LIBERDADE pode gerar um efeito de consequências e resultados infames e prejudiciais, por isso, LIBERDADE de pensar, falar e agir nunca podem ser confundidos com libertinagem.

A frase universal sobre o pensamento vem do filósofo francês, René Descartes: “Cogito, ergom sum”, ou seja, “Penso, logo existo”.

Nesse exato momento, o meu pensamento é o pensar o que meus pares escritores e demais ouvintes pensam do texto e de minha leitura (ou da sua própria ao lê-lo neste instante).

Isso é uma verdade, exceto claro, para aqueles que não alcancei sua atenção e estão em devaneio.
Sendo assim, não externo, mas penso, pois como dito ainda por Descartes “mesmo que você duvide de sua existência, essa dúvida já é um pensamento.”

Mas e o pensamento? Ora! As filosofias até as mais atuais neurociências ainda deliberam sobre o pensamento.

Enquanto isso cabe a nós pensarmos, mas pensarmos sobre o pensamento já realizado – o velho e
o novo; o possível e a utopia, pois uma vez dito, externado, ele já não é mais um pensamento, não é mais particular, e sim uma ideia ou um ideal. E todas as ideias e ideais precisam de outros pensadores para entender, refletir, melhorar, promover, impulsionar e consolidar o que já fora um pensamento, para que aquela ideia ou nova ideologia que um dia foi apenas um pensamento, não seja o início do fim dos pensadores, digo, da Humanidade.

A liberdade de pensamento exige entendimento de um todo, pois o egocentrismo seria praticamente, junto da liberdade de pensamento a afronta ao próximo, não somente em suas palavras, mas ações que julgue libertas de um pensamento não amadurecido pela constituição natural.

Prof. Paulo Eduardo

Livros - José C. M. Navarro


Livros

Américo Cipriano de Seixas, advogado oriundo de Coimbra, consagrado em Lisboa esticara-se em sua poltrona com os pés apoiados na ultima gaveta da escrivaninha. Brincava com os botões do seu colete, ruminava com o preto dos seus sapatos.

À sua frente a estante de livros jurídicos e de todos os gêneros respaldavam seus quase oitenta anos de vida e cinqüenta de lides e disputas judiciais; de teses e afirmações; de assentimentos e negativas.

De idas e vindas ao fórum, audiências com juízes, acordos nos corredores, ajustes nos gabinetes, um processo que entra que sai; um que se ganha ou que se perde.

À sua frente a parede forrada de livros jurídicos, mais do que emoldurarem o dia a dia; mais do que revestirem a parede do escritório, eram e, principalmente são a retaguarda de suas vitorias diárias e progresso profissional. Brincava com os botões de seu colete, ruminava com o preto dos seus sapatos.

De súbito levanta-se e vai aos livros.  Retira um ao acaso da área jurídica, folheia-o e o coloca na mesa de reuniões até então completamente limpa e vazia. Caminha à direita da estante escolhe e traz cinco ou seis e os acomoda ao lado do primeiro, no tampo da mesa. Dentre os últimos trouxe um Saramago, um Fernando Pessoa, um Eça de Queiroz, um Camões, entre outros. Ato contínuo da última gaveta da escrivaninha retira um calhamaço de papeis, manuscritos uns, muitos digitados, datilografados outros e os coloca junto aos livros. Volta à sua poltrona, estica-se outra vez e fica a ruminar novamente, não mais com coletes e sapatos e sim com livros e a vida. Reflete.

“Estou cansado. Talvez seja hora de parar e fazer com que todos os dias pareçam sábados e todas as horas sejam as mesmas dez e dez, ou quaisquer outras que valham. Vou a Cascais onde lá, a ouvir o mar e a saborear meu vinho preferido, possa passar meus últimos dias, como se todos eles, sábado fossem e as horas sejam elas dez e dez ou oito e quarenta, sem compromissos, nem relógios.

Tenho meus livros jurídicos, minha retaguarda (ou vanguarda??) profissional e minha evolução pessoal, deixo-os a quem deles precisar, os demais levo-os todos comigo.  Lá completo a estante e os terei sempre à mão para quando quiser reviver e viajar novamente retomar as estórias e poemas. Estes livros (como todos) são meus agentes de viagem, meus condutores. Com eles sou senhor do tempo e do espaço.

Descubro as profundezas do mar ou o vento nas alturas; junto a Holmes percorro os becos e tenebrosas ruelas de Londres desvendando casos e prendendo criminosos. Vou ao passado, volto duzentos anos atrás, trezentos, mil anos. Luto em todas as guerras, avanço à Lua, a Marte à imensidão do infinito, Julio Verne me conduz e eu o sigo. Vou das estepes russas às masmorras medievais. Salvo princesas, encarcero vilões. Canto os versos de Pessoa e o inconformismo de Lorca. Aprendo idiomas. Vou ao mundo, vou ao Brasil, convivo com Machado, Graciliano. Descartes nos diz que a menor distancia entre dois pontos é uma reta. Digo eu que a melhor distancia ao conhecimento eu tenho em meus livros. Sou um e sou magistralmente todos. Sou o espadachim invencível, o filósofo imortalizado.  Isso, vou a Cascais, levo meus livros, tenho a vida inteira à minha frente, e quem sabe, pretensão por pretensão; sonho por sonho, peque eu por excesso, tenha em meus papeis o meu livro e esteja lado a lado com os maiores, nunca iguais a eles é claro, mas sendo, humildemente um deles, por menor que seja, mas um deles.

Talvez à minha morte haja a grande fogueira de sétimo dia, queimando os papeis e tudo que seja julgado supérfluo pelos herdeiros ou talvez à minha morte haja não mais papeis manuscritos, datilografados ou digitados, mas sim, um novo livro numa estante de alguém. Quem sabe?”

Américo Cipriano de Seixas, aposentado, oriundo de Lisboa, instalado em Cascais esticara-se em sua cadeira de praia com os pés rabiscando desenhos na areia, bebericava em pequenos goles seu vinho preferido, virara a ultima página do seu Livro do Desassossego, quando o livro caiu em seu colo e ele sutilmente adormeceu.

José C. M. Navarro

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Qual é a liberdade de pensamento? - por Tatiana Rostaiser Petti


       Dizem que, desde a gestação, o ser humano é capaz de ouvir e armazenar informações no inconsciente. Assim, em todo o decorrer da vida, acumula sentimentos, experiências e dados que lhe constroem. Sabia disso e vivia não se importando. Afinal, os pensamentos simplesmente surgiam; não se podia controlá-los.
Até que adquiriu novo conhecimento. Descobriu que os verdadeiros pensamentos são influenciados pela consciência e pela tomada de decisões, que podem aparentar comumente rigidez e acabar com certo romantismo do livre arbítrio.
Como um antônimo só é capaz de existir por causa do outro e vice-versa, enquanto não há prisão, não há liberdade. E houve a clareza dessa situação: quando se vê consciente de pensamentos e ações, tem o poder de decidir o que deseja pensar.
Esta é a verdadeira liberdade. Estar livre para decidir pensar o que quiser. Até o fato de que o pensamento guiará ações e, consequentemente, resultados aparecerão. Se quiser outros, portanto, precisa mudar o que pensa.
Vigilância constante tornou-se necessária. Para cultivar a paz e uma consciência tranquila, decidiu manter apenas pensamentos impulsionadores deste propósito. Como consta na Bíblia: tudo me é permitido, mas nem tudo me convém.
Sabe que a liberdade está aí, mas não deve ser deixada à deriva. Contraditoriamente, a constante vigilância das ideias é que dá sentido à verdadeira liberdade de pensamento.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A ilimitada riqueza - por José C. M. Navarro


Cada um à sua crença, à sua vontade, ao seu ritmo, é filho de Deus.
A alguns a riqueza incomensurável de castelos e tesouros é bastante; para outros, livros ou taças de vinhos são suficientes a outros, nem isso é necessário.
Cada um, ao seu ritmo, sua vontade ou sua crença tem sua riqueza, finita ou não.
O que é inerente e pertencente a todos, porém, é que existe uma ilimitada riqueza que dispensa castelos, livros ou vinhos, que dispensa todo o material que nos envolve.
Falemos desta riqueza, portanto.
Não me é apropriado falar de outrem, seja bem ou, principalmente, sendo mal. Faço meu caminho o mais discreto possível, dentro da felicidade e facilidade que me é outorgada.
Pouca riqueza material preciso. Tenho abrigo, comida e afeto. Amigos, meus entes queridos, alguns livros, uma ou outra taça de vinho, intensos os livros, saborosos os vinhos, infinitos gestos queridos. Pessoas, vinhos e livros como sempre sonhei, por perto todos, embora talvez nem sempre os mereça.
Tenho tanto a escrever e outros versos a declamar.  Há muito, ainda a se contar. Não vou incomodar, ou agradar, que seja, porém a gregos ou troianos, pois não os externarei ao extremo. Deixo-os apenas aos convites e apelos de tão poucos amigos que se dispuserem a tal benevolência e que de antemão conhecem o que faço e o que fiz.
Aos não tão amigos, se um dia, foram brilhantes como o rei sol, noutros viraram estrelas, mais frias e distantes, depois obscuros planetas para chegaram a simples asteroides, tão estéreis quanto inúteis, sem sequer algum baobá como diria Saint Exupery, passo ao largo. Que fiquem em seu habitat e se deslumbrem com os meios que encontram para chegar ao seu próprio fim. Vivam em seu mundo.
Por mim, fico com o razoável material, mas, sobretudo, usufruo do  imenso imaterial que me foi outorgado.
O aplauso é um gesto posterior. O apupo também. Ambos vêm depois da ação, e bem distante do pensamento inicial. Somos todos, não metamorfoses ambulantes como disse Raul, mas sim, pensamentos em constante mutação, pensamentos estes que resultam em projetos, destes em ações e que por fim geram ora as lágrimas ora os vivas. Somos o que imaginamos ser e este desejo real nos leva à efetiva riqueza. E por aí vamos. Apupos ou aplausos, muito valem, mas são apenas guias que nos levam a aceitar ou rejeitar o ato de (re)pensar em si em um momento futuro. O aplauso não deve iludir, o apupo nunca matar, que sejam guias para os próximos pensamentos, só.
Nossa liberdade não está na caminhada. Não só nela. No pensar sim.
Esta é nossa ilimitada riqueza, minha e sua, não ignoremos isso.
Está no ato que nos fez caminhar, no sonho, no projeto, na elaboração e, ou principalmente, (e originariamente) no pensamento, reforço isso.
Livres somos para buscar as estradas que nos levam ao destino final ou ao nada descabido; livres para externar amor ao próximo e dedicar alguns momentos de raiva a quem os merecer; livre somos ao estender a mão, seja para dar, seja para pedir; livres para chorar o leite derramado ou o externar o amor desenfreado.
Sou eu, particular e intensamente rico para exercer o livre pensamento ao (buscar) elaborar alegorias fellinianas ou imitar chaplinianas caricaturas, sem ser Fellini, muito menos Chaplin; sou livre em apenas cantar meus versos ou declamar meus poemas, em lutar e concretizar meus pensamentos, em amar e, agraciado em ser amado.
E, mais ainda, livre para externar o sim e reclamar o não, ou exigir o sim e rebuscar o não; para existir e não simplesmente viver; para efetivamente ser e não apenas estar.
Lastimo, (apenas lastimo), não julgo de quem se vale de sentimentos alheios e os toma para si como mote perpétuo para seu pensamento, para sua existência.
A liberdade do pensamento é o veículo que nos conduz à perfeição em elaboração. Nunca chegaremos àquela, mas estamos sempre caminhando nesta.
Com incredulidade, São Tomé duvidou e externou:
                       “Quero ver para crer”.
Longe Dele, em distância, sapiência e santidade, dentro da liberdade de pensamento que me foi outorgada pela Misericórdia Divina, com o molde de que fui feito, ouso modificar e reformar a mesma frase e dizer no mesmo tom, com a mesma liberdade, certa ou errada, bonita ou feia, real ou fantasiosa, concreta ou abstrata, aceita ou não, mas eu a proferiria alterando a ordem das palavras e ela, na verdade, seria na origem do meu livre pensamento:
                      “Quero crer para ver”. 
Com toda essência, propriedade, perfeição e riqueza que meu livre pensamento me outorgou.

sábado, 14 de julho de 2018

Cá estamos! - por Paulo Eduardo


Miguel Munhoz, meu avô - por José C. M. Navarro


Miguel Munhoz, meu avô

As águas do Mediterrâneo (ou já seriam do Atlântico?) juntavam-se outra vez e faziam desaparecer a trilha que o navio fazia.
Salgadas eram, como salgadas foram as lágrimas que o jovem encostado à amurada com abundância vertia.
Não tinha ideia de tempo passado ou da distância percorrida, sabia apenas, e apenas sentia a dor daquela discussão impensada, que o levou da cozinha à porta da casa; daí à rua; daí ao porto, daí ao navio e daí ao Mediterrâneo ou já seria o Atlântico?
Amainou-lhe o ímpeto, aflorou a razão. O que fizera estava feito, se bem ou se mal, não o sabia, mas antagonizavam-se o cérebro e o coração. O bem atiçava aquele, o mal a este afligia.
Deixara mãe e irmã chorosas em casa, consigo trazia seu próprio pranto a se mergulhar naquelas águas salgadas.
Cada segundo, sua cidade natal mais longe, cada momento, sua aventura mais próxima.
Miguel brigara em casa e saíra. Portas batidas, raivosos e duros passos, um porto à frente, um navio de partida.
Embarcara, sem rumo nem passagem, viveu clandestino até mais não poder e dentre tantas decisões certas e erradas, tomou mais uma, apresentou-se ao comandante do navio.
Do espanto à reprimenda, da decisão ao castigo, do convés à cozinha, passou a separar restos de comida e a lavar pratos. Era sua paga por seu ato inconsequente. Desceria no próximo porto e ao seu completo arbítrio o que fazer da sua aventura. Limpar restos e lavar pratos, mas por pouco tempo.
Graças ao seu atrevimento, sua ousadia, sua capacidade, logo deixou a cozinha e passou ao salão, servindo mesas e recebendo passageiros. Ao sobressair neste novo mister assegurou não só sua ida ao destino do navio mas, principalmente sua almejada volta ao porto inicial, não mais clandestino, mas efetivamente incorporado ao grupo de servidores do navio.
No arrependimento da ida, sonhava com  a volta.
Tantos dias no mar, Tantos dias em viagem, chega finalmente o navio em seu destino. E as ocorrências são as normais de todos os navios. Aportam, descarregam, desembarcam passageiros e lá vão os tripulantes e descobrir os segredos e mistérios que aquele porto esconde.
Miguel fez o que todos faziam e fizerem. A roupa cotidiana foi trocada por outra mais nova, comprada com os parcos recursos que sua atividade proporcionou e de alma limpa e revigorada foi conhecer o mundo.
No pensamento o propósito de descobrir o desconhecido, no coração a promessa da volta. Voltaria sim, entraria pela mesma porta que saíra e recomeçaria sua vida na cidade natal.
Mas foi andando. Estabelecimentos vários se lhe apareceram, uns mais elegantes outros nem tanto e um mundo novo se descortinava à sua frente. Palavras estranhas soavam-lhe aos ouvidos, embaraçavam-lhe os olhos, porém com sua perspicácia e vontade de aprender foi gradativamente tomando ciência do novo linguajar e entendendo o que cada palavra representava.
Demora-se o navio para zarpar, escasseiam-lhe seus recursos e ele se vê obrigado a buscar dentro daqueles restaurantes e bares uma forma de suprir tão preocupante falta.
O que não lhe foi difícil. Novamente sua audácia e perseverança os levaram à cozinha do restaurante, de inicio e ao salão principal depois. Tão pouco espaço de tempo, tão largo progresso.
O navio está completo pronto para zarpar, todos a bordo. Todos menos um, Miguel fica, Miguel ficou.
É mais um a servir no salão do restaurante e, pensamos que assim seria, se não fosse o nosso velho e considerado destino e trançar seus fios.
Explico melhor. Servia mesas, naturalmente, quando percebeu um aumentar de voz em inicio de discussão entre um de seus companheiros e um casal de clientes. Preocupou-se em ajudar e prestando atenção percebeu entre as vozes exaltadas palavras conhecidas, que o levaram de imediato à sua terra natal.
Aproximou-se, intermediou os dois lados e arranhando seu português iniciante conciliou com o casal de clientes em seu vistoso castelhano. Serenaram os ânimos. O atendente voltou ao seu trabalho e o casal passou a ser servido por Miguel. A conta foi alta, e alta foi também a ascensão do imigrante até o ponto do casal, notando sua quase juvenil beleza e austera eficácia o convidou para vôos mais altos e assim, com pouca mala e pouca cuia, vê-se o espanhol aventureiro desbravando São Paulo.
Conto a historia de um solitário imigrante, de nome Miguel Elias Munhoz, nascido em Almeria aos 18 de fevereiro de 1895 e falecido em São Paulo, aos 18 de junho de 1944, Miguel Munhoz, meu avô.