IPÊS
Primavera! Foi nas primaveras que conheci
os ipês, nos tempos de eu menino, numa fazenda de café no interior de São
Paulo, Brasil. Extasiava-me aquelas árvores soberbas, vestidas de roxo, rosa,
amarelo e branco. Conforme aprendi com os mais velhos, aquela era uma árvores
sagrada, posto que o Criador havia feito um trato com ela (árvore) para que
elas se vestissem de festa para mostrar que, a cada ano, a vida se renova no
final do inverno e chegada da primavera. Ainda que crise de falta de chuvas, às
vezes faça com que a floração dos ipês de São Paulo aconteçam mais cedo ou mais
tarde, os ipês roxo e o branco florescem entre junho e agosto; o amarelo e o
rosa, no início de agosto e estendem-se até meados de setembro, quando anunciam
aos trabalhadores do campo que já é hora de preparar a terra para mais um
cultivo de arroz e de milho.
Mês de agosto.
Inverno no seu último estágio. Os pastos ressequidos pela ação das geadas e das
secas, abrigava um gado magro e sonolento. Com pouco para comer nas invernadas
e piquetes, os animais aguardavam com paciência bovina e equina, o pouco de
ração de cana picada e milho “silado em trincheira”, que o fazendeiro sovina
nunca queria fazer na quantidade suficiente. A poeira levantava com os
redemoinhos de sacis dos ventos mogianos, nas estradas secas onde os roceiros
de pés descalços, rachados pela ação do frio e da terra alcalina, caminhavam
nos campos onde os ipês solitários coloriam aquele resto de inverno, com sua
melhor e mais bonita roupa floral estampada. O inverno, normalmente uma estação
triste e cinzenta, vestia-se de alegria, com os ipês floridos...
Quando somos
crianças, “o tempo corre devagar”! Naquela época, o tempo era diferente: moroso
como as vacas que voltam no fim da tarde, com os úberes murchos, mas com
esperança de rever seu filhote e quiçá comer uma iguaria, que tanto pode ser
sal ou cana picada, ou silagem. Tudo andava ao ritmo da natureza, nos seus
estágios e estações naturais.
E os bosques da
Fazenda São José do Pântano ficavam todos enfeitados por dezenas de ipês
floridos. Havia o ipê roxo, o ipê rosa, o ipê branco, o ipê amarelo. Muitos
anos depois, já na vida citadina, soube da existência do ipê verde, tão raro
quanto bons leitores ou beija-flores vermelhos. Há um consenso no interior do
Brasil que o ipê tem sentimentos iguais aos dos humanos: se ficamos
concentrando nossa energia, focados na realização de um sonho, de repente tudo
muda. E muda para melhor. Este “Ponto de Desequilíbrio” faz com quê até pessoas
das quais nada se espera, num momento de superação façam algo que nos supre vai
além das previsões mais otimistas.
O ipê (amarelo)
é a árvore símbolo do Brasil. O nome ipê vem da língua tupi, e pronuncia-se
“ype”, e significa «árvore com casca grossa». A designação científica do ipê é:
gênero Tabebuia, da família das Bignoniáceas. A madeira do ipê é muito
comercializada, especialmente para revestir pisos, devido à sua alta
resistência. A casca do ipê roxo é considerada uma panaceia para muitos males,
inclusive para prevenção contra o câncer. Como curiosidade, destaco outros
nomes com que os ipês são conhecidos no Brasil: pau-d’arco, peúva,
peroba-de-campos, ipê-amarelo, ipê, aipê, ipê-branco, ipê-mamono, ipê-mandioca,
ipê-ouro, ipê-pardo, ipê-vacariano, entre outros.
A LENDA DO IPÊ
- Há uma lenda
que conta a origem do ipê. Ela diz o seguinte:
- Naqueles
tempos, o inverno estava nos seus últimos dias e todas as árvores da floresta
estavam começando a florescer. Somente os ipês continuavam sem flores. Os ipês,
cada vez mais se entristeciam com aquela situação. Eles eram os únicos que não
tinham nem flores nem frutos.
Então, os
amarelos canários da terra, percebendo a tristeza dos ipês, resolveram fazer
seus ninhos somente nos galhos de um dos ipês. E ninhais também foram feitos
pelas araras vermelhas e azuis e os sanhaços em outro; as garças brancas em
outro, as siaciras em outro, e num outro ipê menos imponente, foram os
periquitos, jandaias, maritacas e papagaios.
Os ipês ficaram
muito felizes e resolveram pedir à Providência Divina que lhes dessem flores,
como forma de agradecimento aos canários da terra e a todos os outros pássaros
da floresta, pela alegria que tinham levado a eles.
No dia seguinte,
dizem; sob o mais belo céu azul que aqueles sertões já conheceram, os ipês
floresceram em várias cores. Cada um dos ipês se vestiu nas cores e matizes dos
pássaros que os havia adotado. Quando tudo isso aconteceu, dizem, era agosto! E
assim, desde então, os ipês têm florescidos em agosto; per saecula
saeculorum.
Agora, a cada
agosto, um vento frio sopra desde os sertões do Brasil: é a Providência Divina
anunciando que ainda mais uma vez os ipês florescerão, cumprindo a aliança
entre Deus e a Natureza.
As cores dos
ipês são, portanto, expressão de um milagre do amor de Deus pela natureza e
pelos seres que vivem na Terra.
Mas eis que, de
repente, esta árvore de outros espaços irrompe no meio do asfalto. Interrompe o
tempo urbano de correrias, semáforos, buzinas e ultrapassagens. E eu tenho de
parar ante esta aparição do outro mundo! Assim como aconteceu com Moisés, que
pastoreava os rebanhos do sogro, quando viu um arbusto pegando fogo; sem se
consumir! Ao se aproximar para ver melhor, ouviu uma voz que dizia:
-“Tira as sandálias
dos teus pés, pois a terra em que pisas é santa”.
Acho que não foi
a sarça ardente. Deve ter sido um ipê florido. De fato, algo arde, e é sem
queimar, não na árvore, mas na alma. E concluo que o Escritor Sagrado estava
certo. Também eu acho sacrilégio chegar perto e pisar nas milhares de flores
caídas, lindas e agonizantes, tendo já cumprido sua vocação de amor.
Mas sei que no
espaço urbano as coisas fluem de maneira diferente. O milagre da floração dos
ipês é visto por muitos moradores dos centros urbanos como canseira para a
vassoura.
-Melhor o
cimento limpo que a copa colorida; dizia uma minha conhecida!
Não raro sei de
casos de pessoas que, por se cansarem de varrer as flores do ipê caídas no piso
do quintal ou na frente das casas; atacam os ipês. Outras árvores são também
castigadas pela ignorância dos humanos. Lembro-me de uma araucária numa rua ao
lado do escritório no qual eu trabalhava; indefeso, com sua casca cortada em
toda a volta; e furos de broca! Meses depois, estava morto, seco. Restaram
somente dois ninhos de bem-te-vis; um com filhotes e outro com ovos!
Numa manhã
qualquer, passei sob o grande pinheiro seco e os dois ninhos estavam no chão,
talvez arrancados por uma ventania, talvez derrubados pela mesma mão assassina
que matou o pinheiro. Num dos ninhos estavam os fetos de dois filhotes, no
outro as cascas de dois ovos ressecados!
outro apenas as cascas de dois ovos quebrados.
Mas no final, o
que importa é o ritual de amor que o Criador faz manifestar-se no inverno. Ele
espalhará sementes pela terra e a vida triunfará sobre a morte, o verde
arrebentará o asfalto e as flores nas cores em tons roxos, rosas, amarelos e
brancos, enfeitarão nossas cidades, ano após ano. Alguns poucos ainda verão os
ipês de flores verdes, que tanto procuro e nunca vi.
Espero, entre
ansioso e esperançoso, que um dia o ser humano respeite a natureza. A despeito
de toda a nossa loucura, os ipês continuam fiéis à sua vocação de beleza, e nos
esperarão tranquilos, todos os meses de agosto de nossa curta vida, por toda a
eternidade. Todo ano temos um encontro marcado: no mês de agosto devemos nos
preparar para ver e sentir a floração dos ipês, pois ainda haverá de vir um
tempo em que os homens e a natureza conviverão em harmonia e os ipês serão os
ícones desse “Novo tempo”.
PS: em setembro de 2008, recebi de uma escritora de um site
no qual participo; imagens com as fotos de flores do ipê verde as quais, por
pura imperícia, perdi. Também fui homenageado pelos curumins e cunhas da Escola
Primária de uma aldeia indígena (Kaiowás), da região de Dourados (MT).
Esses pequenos brasileiros fizeram desenhos dos ipês
floridos e repassaram aos seus pais, na aldeia, a lenda do ipê, a qual não
conheciam. Só isso me bastaria para que ficasse orgulhoso, mas a cada mês
recebo algum tipo de manifestação sobre este texto. Agradeço a Deus por tê-lo
feito, mostrado e contado.
POSTFÁCIO
Depois que
publiquei este texto, em 2007, recebi este complemento de um jornal virtual de
Portugal, onde sou colaborador (WWW.raizonline.com);
O Ipê Verde do Acas
Da Redacção do Raizonline
“ Uma vez que o
nosso amigo e colaborador ACAS tem um prazer especial no conhecimento do raro
Ipê Verde, resolvemos fazer uma pesquisa de forma a tentar satisfazer o seu
desejo”.
Este Ipê Verde, acima, encontra-se na
localização abaixo: 23º57´42.61´´ S46º19´56.09´´W. A sua localização fica na
cidade de Santos (SP) e a foto foi obtida no site: http://www.panoramio.com/photo/138681
Antônio Carlos Affonso dos Santos - ACAS
Pessoal de Itatiba: podem comentar, inclusive com críticas.
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