terça-feira, 5 de abril de 2016

A INSPIRAÇÃO QUE VEIO DE LONGE

Passou anos de sua vida esperando por um milagre.
Até que um dia concluiu que sua condição física jamais sofreria uma transformação.
Todas as cirurgias possíveis que lhe foram concedidas não surtiram o efeito desejado.
Eis que então a transformação aconteceu dentro dele.
Como libertar-se das amarras com que a ansiedade o impedia de inventar sua própria vida?
Se pudesse andar sairia correndo pelo jardim gramado que rodeava a bela casa onde vivia.
Afinal, Deus lhe dera uma condição de vida boa. Materialmente não tinha dificuldades.
Espiritualmente estava perdendo terreno.
Foi como nascer de novo. Foi engatinhando na sua inspiração até erguer-se totalmente na direção do seu sonho.
Gostava de cantar, mas temia a rejeição devido à sua condição física. Ou porque desperdiçava toda sua energia lamentando-se por sua limitação física.
A mãe o incentivava tentando tirá-lo daquele marasmo onde se fechara. Ela acreditava que ele deveria cuidar de sua carreira, enquanto aguardava o resultado do tratamento, mas ele não conseguia pensar em mais nada.
De repente, não se sabe de onde, veio a inspiração. Justo agora que não podia mais contar com a presença dela, a vontade surgiu.
Olhou para o céu, mais uma dentre as milhares de vezes em que a procurou no infinito, a ver se a saudade aliviava um pouco. Cantava baixinho, envergonhado e trêmulo, imaginando que pudesse ouvi-lo.
Talvez ouvisse. Talvez tivesse provocado o milagre.
Talvez estivesse sentada à direita de Deus observando-o.
Quem sabe orientando o canto dos anjos, já que ela sempre insistira na música.
Anos haviam se passado desde que ela se foi.
Nunca deu atenção às suas súplicas:
- Meu filho, ajeite sua vida, independentemente do que vai acontecer com seu corpo. Precisa buscar o seu sonho.
Por que hoje? Que transformação ocorrera no seu âmago?
Olhou para o céu mais uma vez, em vão. Não viu, nem sentiu a mãe, apenas essa vontade de mudar sua vida.
Nos dias que se seguiram o desejo se concretizou, provando que não fora um ânimo momentâneo, como acreditava.
Ingressou numa escola de canto, porque não queria correr o risco de dar vexame. Já bastava sua condição física inapropriada.
Cuidou um pouco do visual, escolheu um repertório próprio para sua voz e passou a ensaiar diariamente, quando voltava das aulas. Aprendeu também a tocar violão. Um amigo lhe dissera uma vez que tocar um instrumento acabava  com a solidão.
Seus dias passaram a ser curtos. O tempo voava. A vontade de cantar cada vez maior. Já não cantava mais escondido.
Passou a organizar saraus em sua casa para amigos do conservatório onde estudava música.
Até mesmo o que lhe parecia impossível aconteceu: apaixonou-se e e foi correspondido.
A música fizera milagres em sua vida.
Nem tudo foi uma lua de mel, na carreira e na vida a dois, mas sentia-se forte para lidar com as adversidades.
Antes só se incomodava com uma dificuldade, a de não poder andar. Depois que desistiu de mudar a sua condição de vida descobriu outras dores que a vida podia causar.
Separou-se, perdeu um amigo muito próximo e um festival de música, mas não perdeu o encantamento pela vida  e nem pela voz da mãe que continuava  sussurrando-lhe incentivos e amor.
Anos depois, casou-se novamente e teve um filho. Com a paternidade sentiu-se completo e, ao mesmo tempo, inseguro. Uma alegria perfeita que receava perder.
Mas não perdeu e teve um relacionamento ideal com o filho a quem pode transmitir o seu caráter e determinação. Além da voz, que o transformou num pássaro cantor e encantador do coração das pessoas.
VERA LÚCIA D'ANGELIS

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