MESTRES DA DEDICAÇÃO
Até o final da vida , mesmo após 75 anos, ela se lembrava dos nomes
das duas professoras que a acolheram nas terras da cidade de Sertãozinho. Numa
das fazendas de café onde sua família trabalhava , como tantas outras de
colonos.
Nunca sentiu saudades da vida na roça porque era muito dura. Mas
recordava com amor das professoras e das aulas que tinha, pela metade, porque
precisava esperar a mãe voltar de levar o almoço para os homens na roça,
enquanto ela cuidava do seu irmão caçula bebê.
Passou a frequentar as aulas a partir do horário do recreio que tinha
que perder para copiar a lição da primeira parte da aula. Às vezes a delicadeza
da professora permitia que ela brincasse um pouco com as crianças. Afinal, o
lúdico também faz parte do aprendizado. Sem contar que a menina não tinha
dificuldades para aprender. Em outras emprestava livros para a aluna ler em casa e
permitia que lesse em voz alta nas aulas, porque ela adorava.
O frio na barriga que sentia por ter de cruzar o pasto onde os bois
eram soltos, após a passagem das crianças para escola, era dificuldade que
somente ela enfrentava porque ia mais tarde. Eles eram mansos e não causavam
perigo, mas para ela era atemorizante passar por eles. Também lembrava-se de
seus nomes: Galante e Gabinete, certamente alheios ao receio que a acometia
todo dia na hora de passar pelo pasto.
O preço do medo era bem pago pela alegria de aprender a ler que ela
sempre valorizou, principalmente no apreço com a educação escolar das três
filhas. Junto ao esposo garantiu que elas estudassem ensinando-lhes o valor
devido das escolas e dos professores. Não estudou mais, porém dizia que
aprendeu muito acompanhando as lições e trabalhos escolares das meninas.
Como as filhas responderam bem às expectativas acredita-se que tenha
sentido o gosto de missão cumprida, até com as duas netas que seguiram o mesmo
caminho.
Nesta semana viajei entre canaviais de uma cidade de São Paulo,
chamada Tapiratiba, beirando o estado de Minas, divisa com a cidade de Guaxupé,
para conhecer uma creche que abriga e ensina filhos de colonos que a frequentam
nos períodos de colheita.
Vi bois como a menina descrita no início do texto, mas não precisei
ter medo deles. Apenas fotografei e apreciei seus gestos lentos nas pastagens
rodeadas pelas montanhas verdejantes que engrandecem a paisagem e acolhem pés
de cafés, nesse dia floridos.
Na creche vi crianças que não vão para a roça e tem uma vida diferente
dessa menina, mas levam uma vida simples que as professoras e funcionárias de
lá tentam melhorar oferecendo-lhes amor e dedicação ensinando, principalmente, a
disciplina necessária para que cresçam sabendo respeitar a si próprias e ao
semelhante.
Fiquei tão gratificada de conhecer o trabalho dessas professoras e outras
funcionárias de lá, que resolvi incluí-las aqui no meu texto pensando em outras
desse nosso Brasil afora que devem viver mais dificuldades ainda para
desenvolver essa profissão que é tão linda quando se exerce com amor e
dignidade.
Vera Lúcia de Angelis
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