Outono
Por José Carlos Munhoz Navarro
Sangra
a terra, firme e reto o arado
Na
modernidade das máquinas ou no velho e lento processo
(não
é importante o meio)
Prepara
a terra para a semente milagrosa, que se transforma em verde infinito, que vira
sustento dos famintos, ou de mesas abastadas.
(não
é importante o destino)
Mas,
risca a terra, firme e sempre o arado, revolvendo tudo, criando sulcos
Marca
o rosto, implacável e sempre o tempo
No
turbilhão incessante dos dias, ou na quietude e suavidade noturna
(não
há distinção de tempo ou espaço)
Molda
e tempera o homem para a semente poderosa que se transforma em palavras
infinitas que viram abrigo de tantos abandonados ou dos poucos evoluídos
(só
é importante que abriga)
Risca
o rosto, firme e sempre o tempo, revigorando o homem, criando vidas
É
outono nas árvores que oferecem seus frutos àqueles que deles usufruem, seja
colhendo suave ou arrancando com ímpeto, tanto para aqueles que entendem o
fruto como resultante inútil ou àqueles que o sabem, um alimento e uma vida.
É
outono nas árvores que sempre e sempre renovarão seus frutos e os espalharão à
sua volta como tributo à boa e incansável terá mesmo quando, todos se tornarem
saciados ou insensíveis e não os quiserem mais
É
outono nos dias daqueles que multiplicam seus conhecimentos; àqueles que
convivem de forma elevada ou com instinto animal; àqueles que desdenham o sabor
da vida ou naqueles que já reconhecem nela a passagem ao plano espiritual maior
É
outono dos homens que sempre recitarão suas preces com respeito à propriedade e
infinita vida e as multiplicarão à sua maneira, nas paredes, nos templos, nas
consciências, no vento, nos bares, nas praças, nas mesas, nas casas, mesmo
quando todos se tornarem surdos e não puderem, ou não quiserem ouvir mais
Viver
o outono é sorrir toda manhã ao notar uma nova marca no seu rosto;
É
saber que precisamos abençoar tanto a mão que pede como a que agride;
(e
com certeza possamos até entender mais esta do que aquela)
É
saber que poderemos nos fazer entender por todos, seja o perfeito ou o surdo;
É
saber que o corpo humano se torna mais frágil, mais lento, mais pesado
É
saber, no entanto, que a alma que nos conduz está e é cada vez mais forte, ágil
e leve, pois estamos dentro deste outono de vida, no verdadeiro relógio da
existência no limiar da fertilidade.
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