terça-feira, 22 de setembro de 2015

O DIA SEGUINTE - JOEL GARCIA DA COSTA

O DIA SEGUINTE
22 de setembro de 1987


Existem momentos na vida de todo ser humano que, por mais extraordinários que sejam, chegam a ter uma explicação, de certa forma, plausíveis, aceitáveis. Alguns o enquadrariam como milagres, outros até como frutos de magia negra, outros ficam loucos e vão morrer em sanatórios. Eu não saberia dizer em qual destas condições melhor me classificava, deixo isto por conta da imaginação dos que lerem essas linhas. O que posso afirmar com toda a convicção é que, quando despertei naquele último dia do outono de 1987, devido ao interminável som do telefone, eu me senti muito, mas muito perdido.
Primeiramente, o telefone não estava em meu quarto, onde também não existia criado mudo algum, onde não existia nada que me era familiar daquele apartamento de classe média, onde eu vivia só já há alguns anos. Apesar de tentar raciocinar normalmente, a única lógica existente era de que o sonho continuava; de que na noite anterior eu enchera a cara, pois marretas em bigornas soavam na minha cabeça; e de que também aquele telefonema só poderia ser de uma pessoa.
Saí desesperado do quarto e quando toquei o telefone, ele calou. Sentei desanimado no sofá, cantei baixinho a música da véspera, contei até dez e estiquei o braço na direção do telefone, que voltou a tocar.
Atendi.
Era minha mãe, me pedindo para levar o carro no mecânico, para aquela manutenção que essas máquinas de quatro rodas precisam para continuar circulando.
É claro que eu disse que levava, pois do contrário mamãe ficaria muito surpresa, já que foi naquela inesquecível manhã que eu dirigi pela primeira vez o “possante” da família. E era verdade, e todos sabiam, que eu era louco pra fazer isso. Pois é, como disse, eu era louco para fazer isso, uma coisa que agora já fizera diversas vezes, dirigindo todo quanto é tipo de carro, mas que, por causa de um sonho maluco (que agora começava a se transformar em pesadelo) seria a primeira vez naquele início da primavera.
O mais engraçado de tudo era que aquele dia se tornara inesquecível não somente pela minha estreia como piloto. Como naquele comercial do soutien, a primeira porrada a gente também não esquece, principalmente se ela for com o fusca velho da mãe e se for uma porrada que doeu no bolso, como foi o caso. No dia anterior, aquele primeiro da série “Sonho Maluco”, eu havia feito coisas que fugiam do que na verdade acontecera e então, porque não poderia ser diferente com o fusca? Talvez não pudesse, talvez certos aspectos de nossa vida simplesmente não pudessem ser mudados, talvez este sonho acabasse no capítulo “A Porrada” (tornando a série um curta-metragem) ou talvez até eu não estivesse sonhando...
Era isto que eu tinha medo de pensar, não podia nem queria pensar nisto, só que a mente era uma tremenda traidora. Eu me via no consultório do Dr. Barros, aquele cara estranho que dizia poder me ajudar, que podia ler minha mente, que me assustara tanto ou tal eu estava agora. Aquele cara que parecia ser um bruxo, é, um bruxo. Somente esse tipo de ser faria tremenda mágica; somente um ser como ele faria com que o hoje parecesse ontem, mas é aí que estava o problema, de alguma forma que não sei explicar o que acontecia não parecia ontem, era ontem. Ou passado, para ser mais exato.
Peguei a chave do fusca, que morava num prego ao lado da entrada da cozinha, saí pela lavanderia chegando à garagem e lá estava a belezinha. Lembro-me da excitação que senti ao abrir o portão da garagem coberta e sair rodando em marcha lenta. Se não me engano, na época nem fechei o portão, tal a adrenalina que me incendiava, adrenalina esta que certamente me ajudou a ocasionar o acidente.
Procurei fazer tudo igualzinho e só mudei o percurso, afinal o sonho era maluco, mas eu não. Passei por uma rua paralela onde acontecera (no passado, presente, sei lá) o acidente, chegando são e salvo e não estranhei quando li no dia seguinte (é, dia seguinte) que dois veículos haviam colidido onde o fusca de mamãe sofreria o acidente. Como por capricho do tempo, este alterou os personagens, mas não o fato. E também não estranhei muitas outras coisas que aconteceram, coisas inevitáveis para o bom andamento da história, eu acredito.
Naquele sábado, depois do check-up realizado pelo mecânico de confiança da minha mãe, abasteci o carro e rodei por várias horas pela cidade toda, parando quando já estava exausto, lá por perto das 18 horas. Mamãe me deu uma bronca daquelas, onde já se viu ficar rodando por muito tempo de carro quando um dia antes havia ido parar no hospital por estar estressado, mas bastou um sorriso meu somado a um abraço para que ela se tranquilizasse e me beijasse, como a um bebê que eu fora. Já estava me acostumando com a ideia daquela situação devido ao tempo em que passei pensando somente no assunto e provavelmente ficaria muito triste se fosse obrigado a acordar agora. Alguém me dava uma segunda chance, fosse obra do destino ou daquele bruxo, em ambas as situações a mão de Deus teria que estar presente, pois sempre acreditei que Ele era o Grande Escritor da história chamada vida.
Resolvi sair novamente naquela noite e, quem sabe, encontrar aquela princesa novamente. Não vou mentir dizendo que estava pensando seriamente nisto, meu desejo mesmo era de procurar desesperadamente por Pati, onde quer que ela estivesse morando, dar uns tabefes em quem quer que esteja namorando ou saindo com ela e depois sei lá, raptá-la, quem sabe.

Mas não ia fazer isso, eu sabia, não conseguiria fazer isso, não seria justo. Por quê? -- Você deve se estar perguntando. É simples: eu tinha noção do que acontecera na vida dela, do namoro com o marido, do casamento, dos filhos, das decepções que ela sofrera; mas eu tinha outro pensamento que me dava medo: e se eu não conseguisse conquistá-la, se ela me visse novamente somente como um grande amigo, se já fosse apaixonada pelo futuro marido? Ahh, e aí? O que seria de mim? Iria passar dos dezenove anos até o final da minha vida sofrendo por ela, sonhando com ela, não, eu não aguentaria. Aí sim eu iria ter certeza que só poderia ter sido obra de um bruxo aquele retorno, um retorno para que eu pagasse por amar alguém que já “pertencia” a outra pessoa. Não, era um risco enorme a correr para um coração cansado de sofrer, deveria haver outro caminho e eu talvez o encontrasse, quem sabe não seria até aquela princesinha linda que faltava para que eu me reencontrasse com a felicidade, que eu achava que me abandonara há tanto tempo.

(Capítulo retirado do livro Jonas do autor.)

Joel Garcia da Costa

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