quinta-feira, 14 de junho de 2018

Última flor do Lácio - por José C. M. Navarro

Disse-nos Bilac que é a Última flor do Lácio, inculta e bela. Casemiro de Abreu trouxe-nos a saudade aurora da sua (e nossa) vida, Gonçalves Dias nos lembra das palmeiras onde cantam os sabiás. Já João Cabral nos falou do nordestino, da parte que lhe cabia naquele latifúndio. Duque Estrada levou-nos ao gigante pela própria natureza, mas lamentamo-nos também por cantar o deitado eternamente em berço esplendido.
Para não nos estendermos muito, paremos com Machado de Assis, que chorou em versos suas visitas à última morada da sua Carolina e ofereceu, com esmero e arte, as batatas aos vencedores. Todos eles e os que mais recentemente por aqui passaram: Clarice, Vinicius, Amado, Bonfim cantam e encantam com o uso da nossa bonita - e as vezes tão maltratada - língua portuguesa, nossa língua nacional, oficial, real.
É certo que veio importada trazida pelos descobridores e colonizadores portugueses; é certo que tomou lugar do velho e hoje quase desaparecido tupi-guarani, mas é de fato nossa língua nacional.
Palavras transmutaram, perderam o significado, viraram pó, outras surgiram. Novos vocábulos confundiram ideias, modificaram o sentido, mas aqui a temos.  Invasores surgem, estrangeirismos que se imiscuem em sua grandeza. Por vezes, também, absorve e incorpora elegantemente os abajures, os cachecóis e continua a se mostrar, como as distintas e elegantes senhoras, sua classe e dignidade.
Língua Pátria, com sua norma culta, com seu linguajar coloquial, com seus dialetos regionais, com seus modismos sociais. O falar rebuscado e a conversa irritante; o correr singelo das ideias e a inverdade galopante; a segunda pessoa do singular usada pelo intelectual, o verbo descompassado do pronome, jorrado pelo menos instruído.
Caminho das longas e instrutivas conversas, onde os pais, os mestres transmitiam e transmitem aos filhos, aos alunos o bom, o correto, o que se deve fazer e o que não se deveria fazer. Abro um parêntesis para prestar minha homenagem ao meu pai por me ensinar a juntar o B e o A e que me fez chegar onde cheguei.
Caminho das notícias que correm o mundo, falando de virtudes e desvarios; de ganhos e de perdas; de passado e de futuro, que nos chegam a todo instante, guiando nossos dias, modificando nosso cotidiano.
Dos enganos e desenganos a que todos estamos sujeitos; dos amores e desamores a que todos estamos passíveis.
Desafortunadamente, porém, muito temos a lamentar nos dias de hoje. Perdeu-se o rumo da boa leitura e, por extensão, da boa escrita. O atual e acelerado cotidiano inibiu o uso de palavras na sua plenitude; perdeu-se o espaço da linguagem escrita, perdeu-se muito, queira Deus que não percamos a identidade de que nossa língua portuguesa é portadora. É nossa missão fazermos a nossa parte.
E, para encerrar, obrigatório se torna, recorrer a Olavo Bilac.

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

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