segunda-feira, 17 de julho de 2017

Vera Lúcia de Angelis-OS MONSTROS NÃO TIRAM FÉRIAS

OS MONSTROS NÃO TIRAM FÉRIAS


Os monstros não tiram férias. Ficam aguardando nos porões do mistério que as crianças cheguem atravessando o portão com toda sua energia e imaginação. A algazarra toma conta do casarão antigo onde vivem os avós. O assoalho range sob os pés dos pequeninos que saltitam na sala e nos quartos. Tudo é festa. Gritinhos de satisfação inundando o ambiente. Até os netos da casa ao lado que raramente, visitam os  avós aparecem para brincar.

A ansiedade está no ar. Tudo é novidade. Mesmo o que já cansaram de ver nas visitas de domingo.
Penduram-se na rotina do avô seguindo- o em suas atividades. Ele é rígido,  disciplinado, mas se encanta com os netos. Deixa que corram pela horta, que toquem as folhas e colham até as cenouras. São como caixas de surpresa. As folhas tem que estar velhas para se saber se é hora da colheita. Acaba gerando a competição de saber quem vai colher a maior.
- A minha é magrinha, vovô - lamenta a netinha.
- Nem todas vingam. É a vida. - filosofa o avô.
Mas eles, os monstros. esperam que a noite chegue e as crianças se dispam da empolgação para assombrá-los. Mas são eles que se espantam pela maneira como os pequenos se entregam ao sono, tirando-lhes a oportunidade de cumprir com sua sina de assombrá-los. O sono dos justos que brincaram e saltitaram o dia inteiro com tanto espaço para percorrer, o que não é comum na rotina da vida em apartamento de cidade grande.
Somente a caçula da turma cobre a cabeça com medo do escuro. Nessas horas falta a mãe.  Será que nunca mais vou enxergar.  Que algo vai acontecer com a mãe por estar distante dela? Consegue um espaço na cama dos avós e se ajeita entre eles, falando aos cotovelos para que a noite passe depressa. Mas o dia será longo para todos. Os avós são taxativos: é hora de dormir e pronto.

E todos dormem,  menos os monstros que não tiram férias e nunca descansam, frustrados talvez de não exercerem sua função, prontos que estão sempre para amedontrar crianças e adultos sejam eles de realidade ou de imaginação. Da infância à adolescência. Aos 30, 40, 50 ou a vida toda.  Porque os monstros são os nossos eternos medos que mudam de roupa ou de foco, mas que estão sempre nos assombrando. Pois eles é que não tiram férias.


Vera Lúcia de Angelis


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