quarta-feira, 19 de julho de 2017

SOLANGE VICENTINI T. MÖSSEBÖCK - FÉRIAS

Férias
Solange Vicentini T. Mösseböck
Mãe sempre atarefada, cinco filhos com dias sem descanso, sono curto e interrompido quase todas as noites. Esta era a rotina em casa durante meses, quebrada com suspiros de alívio de minha mãe que no período das férias entregava no mínimo três dos seus filhos aos cuidados da avó no interior paulista. Neste período ela se recuperava.
Nos amávamos esta época, era tão esperados quanto o Natal. Os dias eram mágicos no sítio de meu avô, livre de aulas, professoras bravas e diretores muito autoritários.
Ali tudo era alegria e festa. Tínhamos toda a liberdade desejada naquele pedaço de paraíso cheio de farturas e novidades. Cada dia uma invenção, uma nova brincadeira e alguns puxões de orelhas de nossos avós que quase sempre fazíamos estripulias fora do permitido.
Cavalgar em pelo, apartar os bezerros no final da tarde, bisbilhotar o avô rachando lenha, ajudar a levar gravetos e a palha de milho do paiol para perto do fogão, dar comida para as galinhas, molhar a horta, moer o café em grão, moer milho para os pintinhos, banhar cachorros e brincar, brincar muito. Esta era a nossa alegre rotina.
As férias mais desejadas eram as do final do ano, mais compridas e muito calor. Os pés de manga tão carregados que os galhos vergavam de peso, e mesmo tendo muitas mangas à mão, o gostoso era subir o mais alto possível, bater no peito e gritar como Tarzan. AhAAAAAA. Depois, atirar mangas nos que estavam embaixo.  G u e r r a   d e   m a n g a s!   Que prazer!
Carambolas, jabuticabas, goiabas, comíamos nos pés o dia todo. Às vezes chegávamos à mesa sem fome e ai, ai, ai !  Que bronca recebíamos! E o frango com polenta na mesa cheiroso, ficava para a janta por que os pestes estavam sem fome.
Gostoso era dormir no chão, muitas vezes tínhamos visitas e as crianças eram as primeiras a sair da cama. Visitas tinham de dormir no conforto e achávamos que dormir em colchões colocados no chão da sala, era muito mais divertido.
A “casinha” ficava fora da casa e à noite o penico em cada porta de quarto era a serventia. De manhã, era nossa tarefa esvazia-los e lava-los para cumprir as ordens da avó que muitas vezes cansada, ficava rabugenta.
Nas sextas feiras, nosso comportamento tinha de ser mais comedido. Era dia de fazer pão e não podia fazer barulho. Minha avó era muito religiosa e “guardava” o dia com jejum e rezas, Era nosso suplício! Ficar comportados quando tínhamos asas nos pés e sonhos na cabeça. Nossa reza era que logo chegasse o sábado para voltarmos à carga:
-Hoje sou Tarzan, amanhã vou ser mocinho e você o bandido.
-Nada disto! Eu vou ser mocinho e você bandido.  Tínhamos rusgas por postos de honra, e também desonra. Muita brincadeira e muitas discussões. Por tolices infantis, sem dúvida, tudo valia para nosso crescimento.
Nossas brincadeiras de caubói com as “armas” eram feitas de sabugos de milho ou pedaços de cana de burro. E os dias de Zorro? Eu achava o máximo. Roubávamos aventais de minha avó que transformavam-se em capas e os chapéus de palha que meu avô usava no trabalho da roça, eram nossos sombreiros. Esta era a brincadeira que eu mais gostava.
Aos domingos, tinha macarrão feito em casa e as crianças disputavam quem ia comandar o cilindro e também quem ajudava a depenar o frango. Depois era brincar com as penas que viravam cocares e enfeites das flechas.
Que férias de nossa infância! Sem televisão ou radio, eram conversas cara a cara, histórias contadas na varanda depois da janta à luz de lampião, que tinham se esquecido de fazer instalação de energia naquele cômodo. Algumas vezes meu avô tocava sanfona e contava causos e acontecimentos dos tempos de menino. E meus pensamentos iam longe, buscando a resposta daquele enigma: então vovô já foi criança?
Nos finais de tarde, noite caída e o silêncio dos corpos cansados, ficávamos em completa paz e harmonia. Como eram singelos aqueles momentos!
Os dias eram voláteis, desapareciam como sonhos. Voltávamos para casa paterna depois de dois meses, a contragosto e emburrados, queríamos ficar no sítio. Queríamos que o ano fosse feito somente de férias. Sonhos infantis!
Voltávamos para São Paulo queimados de sol, cabelos mais loiros e totalmente estragados por que, usávamos sabonete que mal tirávamos da cabeça no enxágue, devido a pressa de passar a espuma no chão do banheiro que brincar de escorregar no chão de vermelhão era mais importante.
Além dos nós nos cabelos, muitas vezes mamãe tirava bernes de nossas cabeças, carrapatos nas virilhas e bicho de pé dado que não andávamos calçados. Também lombrigas na barriga por que mas não parávamos para lavar as mãos embora a água fosse das mais puras e farta.
 Entrávamos no mangueirão dos porcos para brincar com os leitões e tantas macaquices que não era possível que a pobre avozinha desse conta. As correções, os arranjos e cuidados ficavam para minha mãe na triste volta para a casa, a enfrentar novamente o mundo civilizado com professoras rígidas, aulas de catecismo, freiras muito severas e muita lição de casa.
       Nestes momentos, mamãe usava a mais esperta artimanha que possuía e sempre dava certo:
-Quem não tirar notas altas na escola, não ganha férias no sítio! Mas que sabida ela era!


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