Férias
Solange Vicentini T. Mösseböck
Mãe
sempre atarefada, cinco filhos com dias sem descanso, sono curto e interrompido
quase todas as noites. Esta era a rotina em casa durante meses, quebrada com
suspiros de alívio de minha mãe que no período das férias entregava no mínimo
três dos seus filhos aos cuidados da avó no interior paulista. Neste período
ela se recuperava.
Nos
amávamos esta época, era tão esperados quanto o Natal. Os dias eram mágicos no
sítio de meu avô, livre de aulas, professoras bravas e diretores muito
autoritários.
Ali
tudo era alegria e festa. Tínhamos toda a liberdade desejada naquele pedaço de
paraíso cheio de farturas e novidades. Cada dia uma invenção, uma nova
brincadeira e alguns puxões de orelhas de nossos avós que quase sempre fazíamos
estripulias fora do permitido.
Cavalgar
em pelo, apartar os bezerros no final da tarde, bisbilhotar o avô rachando
lenha, ajudar a levar gravetos e a palha de milho do paiol para perto do fogão,
dar comida para as galinhas, molhar a horta, moer o café em grão, moer milho
para os pintinhos, banhar cachorros e brincar, brincar muito. Esta era a nossa alegre
rotina.
As
férias mais desejadas eram as do final do ano, mais compridas e muito calor. Os
pés de manga tão carregados que os galhos vergavam de peso, e mesmo tendo
muitas mangas à mão, o gostoso era subir o mais alto possível, bater no peito e
gritar como Tarzan. AhAAAAAA. Depois, atirar mangas nos que estavam embaixo. G u e r r a d e m a n g a s! Que prazer!
Carambolas,
jabuticabas, goiabas, comíamos nos pés o dia todo. Às vezes chegávamos à mesa
sem fome e ai, ai, ai ! Que bronca
recebíamos! E o frango com polenta na mesa cheiroso, ficava para a janta por que
os pestes estavam sem fome.
Gostoso
era dormir no chão, muitas vezes tínhamos visitas e as crianças eram as
primeiras a sair da cama. Visitas tinham de dormir no conforto e achávamos que
dormir em colchões colocados no chão da sala, era muito mais divertido.
A
“casinha” ficava fora da casa e à noite o penico em cada porta de quarto era a
serventia. De manhã, era nossa tarefa esvazia-los e lava-los para cumprir as
ordens da avó que muitas vezes cansada, ficava rabugenta.
Nas
sextas feiras, nosso comportamento tinha de ser mais comedido. Era dia de fazer
pão e não podia fazer barulho. Minha avó era muito religiosa e “guardava” o dia
com jejum e rezas, Era nosso suplício! Ficar comportados quando tínhamos asas
nos pés e sonhos na cabeça. Nossa reza era que logo chegasse o sábado para
voltarmos à carga:
-Hoje
sou Tarzan, amanhã vou ser mocinho e você o bandido.
-Nada
disto! Eu vou ser mocinho e você bandido.
Tínhamos rusgas por postos de honra, e também desonra. Muita brincadeira
e muitas discussões. Por tolices infantis, sem dúvida, tudo valia para nosso
crescimento.
Nossas
brincadeiras de caubói com as “armas” eram feitas de sabugos de milho ou
pedaços de cana de burro. E os dias de Zorro? Eu achava o máximo. Roubávamos
aventais de minha avó que transformavam-se em capas e os chapéus de palha que
meu avô usava no trabalho da roça, eram nossos sombreiros. Esta era a
brincadeira que eu mais gostava.
Aos
domingos, tinha macarrão feito em casa e as crianças disputavam quem ia
comandar o cilindro e também quem ajudava a depenar o frango. Depois era
brincar com as penas que viravam cocares e enfeites das flechas.
Que
férias de nossa infância! Sem televisão ou radio, eram conversas cara a cara,
histórias contadas na varanda depois da janta à luz de lampião, que tinham se
esquecido de fazer instalação de energia naquele cômodo. Algumas vezes meu avô
tocava sanfona e contava causos e acontecimentos dos tempos de menino. E meus
pensamentos iam longe, buscando a resposta daquele enigma: então vovô já foi
criança?
Nos
finais de tarde, noite caída e o silêncio dos corpos cansados, ficávamos em
completa paz e harmonia. Como eram singelos aqueles momentos!
Os
dias eram voláteis, desapareciam como sonhos. Voltávamos para casa paterna
depois de dois meses, a contragosto e emburrados, queríamos ficar no sítio.
Queríamos que o ano fosse feito somente de férias. Sonhos infantis!
Voltávamos
para São Paulo queimados de sol, cabelos mais loiros e totalmente estragados
por que, usávamos sabonete que mal tirávamos da cabeça no enxágue, devido a
pressa de passar a espuma no chão do banheiro que brincar de escorregar no chão
de vermelhão era mais importante.
Além
dos nós nos cabelos, muitas vezes mamãe tirava bernes de nossas cabeças,
carrapatos nas virilhas e bicho de pé dado que não andávamos calçados. Também
lombrigas na barriga por que mas não parávamos para lavar as mãos embora a água
fosse das mais puras e farta.
Entrávamos no mangueirão dos porcos para
brincar com os leitões e tantas macaquices que não era possível que a pobre
avozinha desse conta. As correções, os arranjos e cuidados ficavam para minha
mãe na triste volta para a casa, a enfrentar novamente o mundo civilizado com
professoras rígidas, aulas de catecismo, freiras muito severas e muita lição de
casa.
Nestes momentos, mamãe usava a mais
esperta artimanha que possuía e sempre dava certo:
-Quem
não tirar notas altas na escola, não ganha férias no sítio! Mas que sabida ela
era!
Nenhum comentário:
Postar um comentário