BRIGA DE PAIS E CRIANÇA
Vinha em
paz e de lauta comilança. Mensalmente encontro com amigos, professores
universitários aposentados, para colocar as notícias em dia. São tardes
alegres, de boa amizade e companhia. Portanto vinha em paz. Na Rua Uruguai,
Tijuca, Rio de Janeiro, paro em sinal. Um grito. “Eu não mereço isto".
Viro a cabeça e a esquerda há um pequeno edifício com escada externa para,
provavelmente, um apartamento. Nesta passa-se a cena. Valise no chão, homem
tentando sair, mulher gritando, criança chorando. Homem e mulher de seus trinta
anos, menino de seus nove anos. A mulher puxa a valise. Havia uma saca também.
O homem puxa a valise, a criança chora, acocorada em
degrau acima, olhando os dois, desesperada. O sinal abre, instantaneamente
buzinam atrás e arranco, ouvindo mais um grito da mulher. “Eu não mereço
isto". Se aqueles dois minutos, se tanto, podem ser interpretados, pai e
mãe brigam. O pai quer sair. A mãe impede e grita. A criança chora. Não sei
porque brigaram e nem sei quem tem razão. Os três merecem pena. Comove-me
particularmente a criança, que não deve ter culpa e vive em um clima emocional
péssimo, seja qual for o pano de fundo daquelas vidas. Alguns dirão que há
fatos muito piores e violências muito maiores. Concordarei, só o que olhos não
sabem, o coração sente menos, modificando um pouco o dito popular. A orientação
para aqueles adultos, em função de suas desavenças, é que as mesmas deveriam
ocorrer longe dos olhos da criança. O ambiente parecia ser pobre, os
personagens, tristes personagens, estavam mal vestidos, a entrada era apertada.
Nem só em ambientes pobres há baixarias na frente das crianças, já que a raiva,
o ódio, cega as pessoas e lá vão os sentimentos das crianças, a fase de
amadurecimento e aprendizado emocional das crianças, levados no roldão da
violência das agressões verbais e muitas vezes físicas e ocorrem em todas as
classes sociais. E ficam crianças de alguma forma marcadas pelo que presenciaram
e sofreram, pois não sabem dividir lealdade. Ficam encurraladas entre o amor da
mãe e o do pai, seus amores mais importantes. Tivesse poder de persuasão e
tendência a meter-me na vida dos outros, encostaria o carro e que as buzinas se
fizessem ouvir e diria aos dois, mesmo sem saber as causas da briga, nem os
pregressos do casal, que pouco importavam até naquele momento. Parem, o filho
de vocês está sendo coagido, marcado. Talvez os dois se juntassem contra mim,
talvez o homem me desse um tiro nestes tempos de terrível violência, ou os dois
me ouvissem, que sei eu? Não, prudentemente continuei meu caminho com a
digestão atrapalhada e vim fazer minha catarse escrevendo. Se algum casal em
litígio ler a crônica, lembrar-se dela durante uma briga e der um jeito do
filho não assistir, participar, talvez minha omissão seja em parte perdoada.
Para tentar apaziguar a consciência, também se escreve.
Pedro Franco
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