domingo, 25 de outubro de 2015

BRIGA DE PAIS E CRIANÇA - PEDRO FRANCO

BRIGA DE PAIS E CRIANÇA
                                               
                                   

          Vinha em paz e de lauta comilança. Mensalmente encontro com amigos, professores universitários aposentados, para colocar as notícias em dia. São tardes alegres, de boa amizade e companhia. Portanto vinha em paz. Na Rua Uruguai, Tijuca, Rio de Janeiro, paro em sinal. Um grito. “Eu não mereço isto". Viro a cabeça e a esquerda há um pequeno edifício com escada externa para, provavelmente, um apartamento. Nesta passa-se a cena. Valise no chão, homem tentando sair, mulher gritando, criança chorando. Homem e mulher de seus trinta anos, menino de seus nove anos. A mulher puxa a valise. Havia uma saca também. O homem puxa a valise, a criança chora, acocorada em degrau acima, olhando os dois, desesperada. O sinal abre, instantaneamente buzinam atrás e arranco, ouvindo mais um grito da mulher. “Eu não mereço isto". Se aqueles dois minutos, se tanto, podem ser interpretados, pai e mãe brigam. O pai quer sair. A mãe impede e grita. A criança chora. Não sei porque brigaram e nem sei quem tem razão. Os três merecem pena. Comove-me particularmente a criança, que não deve ter culpa e vive em um clima emocional péssimo, seja qual for o pano de fundo daquelas vidas. Alguns dirão que há fatos muito piores e violências muito maiores. Concordarei, só o que olhos não sabem, o coração sente menos, modificando um pouco o dito popular. A orientação para aqueles adultos, em função de suas desavenças, é que as mesmas deveriam ocorrer longe dos olhos da criança. O ambiente parecia ser pobre, os personagens, tristes personagens, estavam mal vestidos, a entrada era apertada. Nem só em ambientes pobres há baixarias na frente das crianças, já que a raiva, o ódio, cega as pessoas e lá vão os sentimentos das crianças, a fase de amadurecimento e aprendizado emocional das crianças, levados no roldão da violência das agressões verbais e muitas vezes físicas e ocorrem em todas as classes sociais. E ficam crianças de alguma forma marcadas pelo que presenciaram e sofreram, pois não sabem dividir lealdade. Ficam encurraladas entre o amor da mãe e o do pai, seus amores mais importantes. Tivesse poder de persuasão e tendência a meter-me na vida dos outros, encostaria o carro e que as buzinas se fizessem ouvir e diria aos dois, mesmo sem saber as causas da briga, nem os pregressos do casal, que pouco importavam até naquele momento. Parem, o filho de vocês está sendo coagido, marcado. Talvez os dois se juntassem contra mim, talvez o homem me desse um tiro nestes tempos de terrível violência, ou os dois me ouvissem, que sei eu? Não, prudentemente continuei meu caminho com a digestão atrapalhada e vim fazer minha catarse escrevendo. Se algum casal em litígio ler a crônica, lembrar-se dela durante uma briga e der um jeito do filho não assistir, participar, talvez minha omissão seja em parte perdoada. Para tentar apaziguar a consciência, também se escreve.     


Pedro Franco

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