terça-feira, 2 de agosto de 2016

EM ALGUM LUGAR DO DESENCONTRO - VERA LÚCIA D"ANGELIS

EM ALGUM LUGAR DO DESENCONTRO

Maria Eli desceu do avião com as pernas bambas. Poderia ser devido ao tempo demasiado sem movimentá-las, mas ela sabia que o motivo era outro.

Um vento quente tocou seu rosto. Efeito da temperatura mais branda fora do ar condicionado do avião, oude uma esperança instalando-se nela.

Em meio às diversas pessoas que aguardavam parentes ou amigos, no saguão de desembarque, apenas um rapaz com um cartaz identificando-a. Não seria necessário, mas foi a condição que o filho exigiu para deixar que ela viajasse sozinha para outro estado.

Sabia de cor e salteado o caminho do aeroporto ao hotel que frequentava com o marido, cada vez que iam a São Paulo. Não foram muitas as vezes, mas visitar essa cidade sempre fora especial, fazendo-a atentar para uma amiga paulista, muito querida e viúva como ela, ofereceu hospedagem em seu apartamento, mas ela preferiu o hotel e as lembranças das viagens com o marido para São Paulo. Ainda que fossem um tanto pesadas já que visitavam também o passado, sem sequer tocar nele.
O marido admirava seu silêncio, e sua coragem de acompanhá-lo a essas viagens de negócio, devido à história e o sofrimento dela no passado.

Amigas diziam que era puro sadismo. Mas somente ela sabia o motivo e acompanhava o marido aos compromissos sociais que surgiam, em consequência do seu trabalho. Saía às compras enquanto ele trabalhava e o esperava sempre arrumada e animada para jantares, teatro, cinema, o que fosse que os convidassem.

- É o antídoto para dor enfrentá-la – dizia sempre, quando a interpelavam.
Agora viera sozinha, mas ainda não sabia porque. Nunca tivera coragem de procurá-lo. Seria justo agora?

Neste mesmo dia e horário, um senhor, já nos seus 70 anos, descia de outro avião, num outro estado. As pernas também lhe tremiam, mas por dificuldades circulatórias, já que visitava essa cidade mais de uma vez por ano e o coração, portanto, já estava calejado. Sempre que a porta do avião se abria, respirava o ar quente e tropical de Fortaleza, sua cidade de origem, com carinho e saudade. Anos atrás era tudo maisdifícil, pois cada vez que chegava lá, era como se vivesse tudo de novo. Agora, depois de tantos anos, já se acostumara. Entretanto havia sempre um pensamento, sutil que fosse, para ela e a história que viveram.

Tinha certeza que ela ainda vivia na mesma cidade. Um dia viu seu nome num aviso da igreja, junto ao de outras voluntárias, com o nome de solteira que ainda mantinha. Não seria difícil encontrá-la, já que vinha de família tradicional, mas nunca optou por fazê-lo. Que a história deles ficasse guardada a sete chaves num cofre inviolável de cristal e de emoção.

Conheceram-se na juventude e já estavam noivos aos 20 anos. Apaixonados. A vida praticamente resolvida no objetivo de se unirem para sempre, com a benção das famílias.

Mas um dia, quis o destino que ele adoecesse. A tuberculose apagou completamente a esperança de
viverem juntos e serem felizes. Tratou-se e chegou a se curar, mas teve uma recaída. Foi a conta para que ana época, ter tuberculose, era uma sentença de morte, mas ele não morreu. Recuperou-se e tempos depois foi trabalhar numa empresa de aviação. Mas, como tinha um irmão em São Paulo, decidiu mudar de cidade.

Nas idas e vindas de sua vida tornou-se escritor.

Ao contrário dela, não se casou. Um boêmio e artista dedicado à arte de escrever e romancear tantas
histórias que aprendeu a observar e retratar com palavras.
Passados anos, ainda se pergunta se a doença teria alterado o seu destino.

Nunca saberá. Nem entenderá porque ela não o procurou. Dificuldade não teria, já que se tornou um
escritor famoso e seu nome apareceu diversas vezes no jornal por seus prêmios, livros publicados, etc.

Pensando nisto concluiu que ela não compartilhava com ele da mesma vontade de se reencontrarem.

- Decerto o amor acabou junto com o noivado- concluía.

Hoje eles estão se desencontrando mais uma vez.

Cada qual com o pensamento na mesma história.

Cada qual respirando o clima inverso dos seus caminhos.

Não se encontrarão, talvez, mas trocarão um mesmo pensamento, cada vez que a porta do avião se abrir, em São Paulo, ou em Fortaleza, cada qual no seu gênero de saudade:

- Em algum lugar dessa cidade ele respira, quem sabe me espera?

- Em algum lugar dessa cidade ela vive, sabe-se lá porque nunca quis me procurar.

Em algum lugar dentro deles há de estar esse amor mal resolvido, sempre a se perguntar: destino ou
fantasia de um primeiro amor de juventude?

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