sexta-feira, 30 de junho de 2017

VERA LUCIA DE ANGELIS - FESTA CAIPIRA


O céu não está mais apinhado de estrelas como antigamente. Elas continuam brilhando na nossa lembrança de infância do dedo proibido que apontava o infinito com medo de ganhar uma verruga.
Faltam também os balões porque se tornaram perigosos e deixaram de ser inocentes como os pequeninos e inofensivos que se soltava no quintal das noites frias de junho.
Estrelinhas, fósforos de cor e mesmo bombinhas que só tinham o objetivo inocente de divertir os pequeninos.
Mas a pipoca estoura, ainda que seja de micro-ondas. O amendoim torradinho, de pacotinho, faz a festa do mesmo jeito.
Só não sei se o coração da gente fica tão feliz ou se saltita como antes.
Deve vir daí essa vontade de fazer uma festa caipira, mesmo que seja tão diferente. Até as músicas são outras e a quadrilha na escola toca forró, pagode ou até música estrangeira.
Mas a vontade persiste e a máquina filma os filhos, os netos ou os sobrinhos vestidos de caipirinha para se apresentarem na escola. Laços de fita, lápis da mamãe imitando barba e bigode. A fogueira crepitante de papel celofane. Os vestidos com renda e fitas de cetim da última moda disputando a beleza das garotinhas. As biribinhas que estalam e são menos perigosas. Argolas, pescaria, bingo e os comes tradicionais juntando filas e às vezes engrossando os cofres da escola que já é tão cara de se manter.
A tradição das festas que, antigamente se chamavam “caipiras” permanece firme e forte, seja qual for o motivo. Modismo ou necessidade de voltar à origem da ingenuidade do caipira feliz olhando o céu brilhante ao pé da fogueira crepitante assando batata doce, enquanto o quentão esquenta no fogão à lenha.
Que se misturem os motivos e os desejos numa festa de matar todo ano as saudades.
Que o toque seja da sanfona ao vivo, ou via i-fone. Que os sapatos sejam de marca ou de alpargata, o importante é a expectativa que vai nascer a cada festa caipira que acontecer, em escolas, condomínios ou vilas.
E saber que em muitos lugares deve haver ainda o autêntico caipira pitando seu cigarrinho de palha e assuntando o céu à procura da chuva que vai regar a plantação e a sua esperança de prosperar. Já não vive tão alheio ao mundo porque os meios de comunicação se espalharam e podem até ter dizimado um pouco esse instinto determinado, agora arcaico de buscar o seu sustento na terra. O progresso que vem para melhorar  e acaba secando a fertilidade da boa vontade.
Mas muitos fogões à lenha foram comercializados nas casas de campo daqueles que tem condições de cozinhar a gás ou comprar comida pronta no mercado porque bate a saudade da simplicidade de vestir-se de caipira para arrastar os pés no terreiro, mesmo que seja de gramado cuidado e uma fogueira crepitando de maneira virtual. Os sentimentos surgirão no sorriso dos filhos, dos amigos e familiares e o calor que seja o do quentão, com pinga ou não.
Que o caipira seja convidado para cada uma dessas festas, para que não se perca o sentido desse homem trabalhador, sábio e sincero que sabe lidar com a terra, o sol, a lua e as estrelas.
Um exemplo de herança no nosso consciente coletivo para se louvar, além de comemorar.

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